Revisão de contratos e alteração do índice de correção de IGP-M pelo IPC: é possível?

Revisão de contratos e alteração do índice de correção de IGP-M pelo IPC: é possível?

Por Luciana Freitas Gorges

Sócia do escritório Miceli Advogados

luciana.freitas@miceli.adv.br

 

Muito tem se discutido sobre a alta do índice IGP-M e seus efeitos práticos no dia a dia do brasileiro, considerando que é ordinariamente utilizado para correção monetária de contratos.

A popularização do IGP-M como índice de atualização dos contratos decorre da época das grandes inflações, considerando que a sua data de divulgação é no último dia útil do mês enquanto o IPC é apenas na 1ª ou 2ª semana do mês subsequente.

Alterações no cenário econômico brasileiro fizeram com que o índice do IGP-M acumulado nos últimos 12 meses seja de 37,0630%[1]. Ao passo que o IPC acumula para o mesmo período uma alta de apenas 7,8063%[2].

Qual o motivo dessa disparidade? Os índices foram criados para finalidades diferentes, medindo a inflação em segmentos distintos da economia.

O IGP-M mede a inflação na cadeia produtiva, capturando os preços de insumos, commodities e variação cambial, adotando uma média ponderada de outros três índices (IPA, INCC e IPC) de modo a indicar a evolução do custo do produto interno bruto (PIB).

Já o IPC captura a inflação para o consumidor, avaliando o seu poder de compra com a ponderação de itens de consumo das famílias com renda de 2 a 6 salários-mínimos (alimentação, energia, etc.). Por conta da sua natureza de cálculo, o IPCA é o índice oficial do governo, adotado pelo Banco Central para as metas de inflação.

Assim, a alta do dólar e condições adversas na macroeconomia impactaram negativamente no IGP-M, não tendo os mesmos efeitos no IPC considerando as naturezas distintas acima apresentadas.

Porém, considerando o atual cenário e a disparada do IGP-M, é possível pleitear a revisão de contratos e sua substituição pelo IPC?

O art. 317 do Código Civil prevê que o juiz pode corrigir desequilíbrio contratual que sobrevier por motivo imprevisível. É a chamada teoria da imprevisão.[3]

Para aplicação da teoria da imprevisão são necessários dos pressupostos: (i) que era imprevisível a presente alta do IPG-M quando da assinatura do contrato; e (ii) a obrigação pecuniária esteja desproporcional frente ao valor de mercado.

Outro argumento para a solicitação da revisão do índice de correção monetária é com base no princípio da onerosidade excessiva, com fulcro nos arts. 478 a 480 do Código Civil.[4] Nessa hipótese é possível solicitar a rescisão do contrato ou sua modificação.

Aqui, a obrigação torna-se excessivamente onerosa decorrente de fato imprevisível (ou previsível, mas cujas consequências não poderiam ser esperadas) e superveniente, trazendo vantagem desproporcional para a outra parte contratante.

Porém, ambos argumentos podem encontrar resistência considerando o previsto na Lei nº 14.010/2020.

Conhecida como Lei da Pandemia, este diploma legal visa regular as relações jurídicas de Direito Privado no contexto da pandemia da covid-19 e prevê expressamente a exclusão da aplicação da teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva nos casos de aumento de inflação, variação cambial, desvalorização ou substituição de padrão monetário, ressalvados os contratos locatícios[5]

Outro ponto contrário para reflexão é que o Brasil já viveu crises econômicas anteriores e já houve alta agressiva o IGP-M. A novidade agora é o seu descolamento de outro índice inflacionário.

Até que ponto essa nova circunstância é suficiente para implicar em uma alteração das regras contratuais, rompendo os princípios da autonomia da vontade e da obrigatoriedade dos contratos?

Portanto, há de se analisar com cautela a situação fática, todas as circunstâncias do caso concreto para verificar a viabilidade ou não da substituição do IGP-M pelo IPC.

O Poder Judiciário já está sendo acionado sobre o assunto, com algumas decisões admitindo a revisão do índice de correção monetária contratual, trocando o IGP-M pelo IPC.

Ainda é cedo para dizer em que direção irá pender a jurisprudência sobre a questão.

A 16ª Vara Cível de Curitiba no processo nº 0011760-87.2021.8.16.0001 deferiu a substituição do índice de correção para o IPC em contrato de locação por conta da teoria da imprevisão[6].

No mesmo sentido decisão da 32ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo nos autos do agravo de instrumento nº 2012910-93.2021.8.26.0000.

Por fim, registre-se que o STF já foi instado a se manifestar no tocante específico do índice de correção dos contratos de locação. A ADPF nº 869, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, requer a aplicação do IPC ao invés do IGP-M em todos os contratos de locação residencial e não-residencial.

O mais recomendado é a negociação entre as partes do contrato, para que se encontre uma solução equilibrada, evitando-se a judicialização do problema

 

[1] Mês-base: maio/2021. Fonte: FGV

[2] Mês-base: maio/2021. Fonte: FGV

[3] Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

[4] Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

[5] Art. 7º Não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos arts. 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetária.

  • 1º As regras sobre revisão contratual previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e na Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, não se sujeitam ao disposto no caput deste artigo.

[6]https://consulta.tjpr.jus.br/projudi_consulta/arquivo.do?_tj=8a6c53f8698c7ff7e57a8effb7e252194c6ab850ac017e10a07603686a239ba7e9dd0b0b975d50f7

 

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