Os impactos do Marco Legal do Superendividamento

Os impactos do Marco Legal do Superendividamento

Os impactos do Marco Legal do Superendividamento

Entrou em vigor, no dia 02.07.2021, a Lei nº 14.181/21[1], a qual traz importantes alterações ao Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e está sendo chamada de Marco Regulatório do Superendividamento.

A prolongada crise econômica do Brasil – com recessão, altíssima taxa de desemprego e aumento da inflação -, tornou mais latente o problema do endividamento dos brasileiros.

Pesquisa de junho de 2021, promovida pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), aponta que 70% das famílias brasileiras possuem dívidas. É o maior percentual registrado desde 2010[2].

Nesse contexto, a Lei nº 14.181/21 visa criar uma camada de proteção jurídica aos consumidores, em especial idosos e vulneráveis, em um contexto de dificuldade de pagamento e de acesso fácil ao crédito (cartão de crédito, cheque especial, empréstimo consignado, dentre outros).

Pelo teor da lei, é considerado superendividamento “a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”.

Ficam excluídas da proteção da lei:

 

  • pessoas jurídicas;
  • dívidas contraídas mediante fraude ou má-fé;
  • débitos firmados pelo consumidor já com a intenção de não se proceder o pagamento; e
  • dívidas que decorram da aquisição de produtos e serviços de luxo de alto valor.

 

As instituições doravante precisam adotar alguns cuidados nas suas atividades de fornecimento de crédito ou vendas a prazo no momento da contratação pelo consumidor. Deverá informar:

 

  • o custo efetivo total (com e sem financiamento) e a descrição dos elementos que o compõem;
  • a taxa efetiva mensal de juros, a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos na hipótese de atraso no pagamento;
  • o total das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser, no mínimo, de 2 dias;
  • o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor; e
  • o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa da dívida, nos moldes do § 2º do art. 52 do Código de Defesa do Consumidor.

 

Tais informações deverão constar de forma clara, ainda que resumida, no contrato, fatura ou outro documento apartado de fácil acesso ao consumidor.

As empresas também deverão observar:

 

  • a obrigatoriedade de entregar ao consumidor uma cópia do contrato;
  • proibida a inclusão de cláusulas contratuais que limitem o acesso ao Judiciário do consumidor;
  • vedado cláusulas que impeçam o restabelecimento dos meios de pagamento após a quitação de juros de mora ou de acordo pelo consumidor;
  • não será permitida a propaganda de empréstimos que informem que fornecido o crédito “sem consulta ao SPC” ou outra pesquisa da situação financeira do cliente; e
  • proibida a prática de assédio ao clientes para fechar contrato (ex.: telemarketing ostensivo).

 

As informações obrigatórias são, geralmente, já apresentadas pelas empresas em suas operações, não trazendo a lei grandes novidades.

Contudo, nesse momento aconselha-se que seja feita uma revisão geral de contratos, propagandas e procedimentos das empresas para verificar se estão todos adequados às novas diretrizes.

Uma inovação do Marco do Superendividamento é o direito dado ao consumidor de comunicar à administradora de cartão de crédito, com até 10 dias do vencimento da fatura, sobre parcela que está em disputa com o fornecedor. Esse valor não poderá ser cobrado até a solução da discussão.

Outro ponto que é uma novidade trazida pela Lei nº 14.181/21 é a possibilidade de o cliente solicitar judicialmente a renegociação de suas dívidas, com a presença de todos seus credores. Uma espécie de “recuperação judicial para pessoa física”.

No entanto, não podem fazer parte dessa renegociação os contratos de crédito com garantia real (como financiamento de automóvel), financiamento imobiliário e crédito rural.

Na audiência de conciliação o consumidor apresentará um plano de pagamento com prazo máximo de 5 anos para conclusão, com o pagamento mínimo a cada credor do valor principal da dívida corrigido monetariamente.

O plano deverá preservar um mínimo da remuneração do consumidor para sua subsistência. Esse “valor mínimo” será ainda regulamentando.

Ainda tratando dessa conciliação, a Lei nº 14.181/21 faz uma interpretação elástica do conceito de revelia do direito processual e impõe penalidades.

A ausência injustificada do credor implica na suspensão da exigibilidade do débito, interrupção dos encargos moratórios e a adesão automática ao plano de renegociação, porém com início somente após a conclusão do pagamento aos credores presentes na audiência.

Uma vantagem para as empresas nessa composição é que a sentença judicial que homologar o plano de pagamento constituirá título executivo que poderá ser levado a protesto ou lastrear processo de execução na hipótese de inadimplemento do cliente.

De modo geral, a Lei nº 14.181/21 é um avanço para a proteção dos direitos do consumidor e poderá ajudar a criar um ambiente de concessão de crédito mais equilibrado e responsável. Tanto para os consumidores quanto para as empresas.

Resta avaliar seu impacto ao longo do tempo e se irá surtir os efeitos desejados.

[1] Íntegra da Lei nº 14.181/21

[2] https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/07/01/percentual-de-familias-com-dividas-chega-a-70percent-e-brasil-atinge-o-maior-nivel-em-11-anos-aponta-cnc.ghtml

 

Por Luciana da Silva Freitas

Sócia do Miceli Sociedade de Advogados

luciana.freitas@miceli.adv.br

 

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